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Jairo Carmo lança seu segundo livro de contos na Travessa de Ipanema.

Na sua segunda coletânea de contos, Jairo Carmo arranca do leitor não apenas uma curiosidade incontrolável na narrativa mas, principalmente, na matéria-prima do livro que é a natureza humana. Vida, morte, sexo, amor, desencontros, dores, fé, tudo que faz do universo humano um tema sôfrego, que consumimos com fome e sede e que fazem dos contos um objeto de prazer e, ao mesmo tempo, causam o tal desconforto que o bom texto oferece.

E é desta forma que Histórias Inverossímeis é lido. Não com a rapidez de um best-seller mas com a avidez e o interesse por histórias de um autor que, pela trajetória de vida, reinventou-se a partir de suas raízes em Monte Alegre no Pará. Foi seminarista, juiz de direito, professor e hoje dedica-se à literatura. 

Percebemos que um delicioso sorvete de castanha-do-pará é sorvido em dois contos, a palavra de Deus e do diabo está sempre presente nas entrelinhas ou como um nervo exposto assim como o sexo é por vezes reprimido ou descrito manifestamente.

Relatos de mais de 20 anos são atuais e é aí que percebemos que o tempo é uma concepção a ser definida como em “O Livro”, “Filho Póstumo” e o atual ” O Inimigo”.

Em Histórias Inverossímeis por José Castello :

Lendo os contos de Jairo Carmo, ocorre-me que ele é, antes de tudo, um excelente retratista. Com poucas palavras, em relatos curtos e substantivos, ele consegue revirar e desmascarar os aspectos mais secretos do humano.

Não sei se retrato é a palavra correta – já que retratos se limitam às superfícies, enquanto Jairo dá mergulhos verticais em seus personagens. Talvez se possa pensar em um raio x, ou ainda em um desses exames computadorizados que lutam para revelar o que os olhos não podem ver. Em suas narrativas, Jairo consegue nomear o perdido, repetindo o que sugere a epígrafe tomada de Ricardo Reis. Em seu prólogo, ele mesmo admite: “A vida desmancha no ar. Incontrolável anarquia desfila no mundo”. Tudo o que podemos pegar do humano é, sempre, muito pouco. Sob as máscaras, abismos. E tudo que resta se assemelha a um relâmpago, como um de seus personagens define a alma no corpo. Da delicadeza da menina da Rua da Palha que em um susto sempre sutil se descobre mulher, ao mendigo Zezinho, que afunda na melancolia, tudo na vida parece estar, quase sempre, por um fio. Pois é sobre esse fio – sobre esse frágil elo que, por isso mesmo, nos humaniza – que Jairo se debruça. Ao se deparar com os seguidores de Jesus, Zezinho encontra uma inaceitável verdade: “Livro não erra, nós é que erramos”. Contudo, não é do erro, do vagar sem destino sobre o mundo, que retiramos algum sentido para a existência? É a incompletude que, paradoxalmente, nos completa. Somos filho do erro e não devemos temer isso. “Conhecer é limitado, sobra ignorância”, reflete o narrador de “Poeta de papel”.

Diante disso, o personagem Josué conclui: “Viver é a solução”. É da vida, cheia de dissonâncias, de brechas e de hiatos, que trata a ficção de Jairo Carmo. No fim, ficamos todos como o pianista que desejou compor uma sinfonia para homenagear Mozart, mas acabou se contentando com as partituras do próprio mestre. Só em um sonho – só na fantasia – um anjo lhe traz a partitura perfeita. De resto, cabe-nos aceitar nossos defeitos e desvios. E, como conseguem alguns, como Jairo, fazer dessa imperfeição uma arte. É na ignorância que o índio Aylan, outro personagem forte, se depara com a beleza. Eis o que temos: nada mais do que temos. E a literatura se ergue exatamente a partir disso. 

Autor das Crônicas Balaio de Dois (2013), Amores Subversivos (2014), Histórias Inverossímeis (2016) e do romance “Carnaval amarelo” (2023).

Sobre o Autor

Jairo Carmo exerceu a magistratura por 14 anos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro antes de ter sido seminarista, professor e advogado. Atualmente é registrador, titular do 4º Ofício de Registro de Títulos e Documentos da Capital.

Por ANOREG/BR, publicado originalmente em 28/04/2016.

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